Apesar de inúmeras pesquisas feitas por historiadores e outros especialistas, não foi possível, até hoje, encontrar qualquer documento sobre a vida de Santa Filomena no curto espaço de tempo que viveu neste mundo.
Para além dos desenhos, inscrições e objetos encontrados no seu túmulo nas Catacumbas de Priscilla em Roma, nada mais se conhecia acerca da jovem mártir.
Entretanto os seus devotos alimentavam continuamente o desejo e a necessidade de saber algo mais a seu respeito e disso mesmo lhe davam conhecimento nas suas orações, suplicando-lhe que lhes concedesse a graça de descrever os factos ocorridos na sua vida.
Santa Filomena mais uma vez satisfez os seus pedidos através de revelações a três pessoas desconhecidas entre si e vivendo distantes umas das outras: um sacerdote, um artífice e uma religiosa de Nápoles, a quem descreveu em pormenor a história da sua vida e o que sofreu por amor a Cristo.
Comparadas essas três revelações, verificou-se que coincidiam praticamente em tudo, sendo, por isso, consideradas idênticas. Uma delas, porém, era mais detalhada, sendo a sua destinatária a Madre Maria Luisa de Jesus (1799-1875) uma terciária dominicana, fundadora da Ordem das Oblatas de Nossa Senhora das Dores.
A 3 de agosto de 1833, esta freira estava a rezar perante uma imagem de Santa Filomena quando sentiu o grande desejo de conhecer o verdadeiro dia do seu martírio, pois 10 de agosto era o dia em que as relíquias tinham chegado a Mugnano, um grande dia para esta localidade, mas não tão importante para quem vivia noutros locais.
Tinha sentido muitas vezes essa curiosidade e mais uma vez esse desejo inundou-lhe o coração. Então, subitamente, começou a sentir os olhos a fecharem-se, sem conseguir abri-los e a ouvir uma voz amável e suave vinda da direção da imagem, que lhe dizia:
Sou filha do rei de um pequeno estado grego. Minha mãe também era de sangue real. Como não tinham descendência, meus pais ofereciam constantemente sacrifícios e preces aos seus falsos deuses para alcançarem a graça de um filho.
Estava nesse tempo com a nossa família um doutor romano, chamado Públio, agora santo da Corte Celeste, apesar de não ter sido mártir. Impressionado com a cegueira espiritual dos seus soberanos e comovido com a mágoa que eles manifestavam, foi inspirado pelo Espírito Santo a falar-lhes da nossa fé e afirmar-lhes que as suas orações seriam ouvidas se eles abraçassem a Religião Cristã.
O seu eloquente fervor penetrou o coração de meus pais e ao mesmo tempo o espírito de ambos foi iluminado pela graça divina. Depois de madura deliberação receberam finalmente o Santo Sacramento do Batismo.
Nasci no princípio do ano seguinte, a dez de janeiro e chamaram-me Lumena ou Luz, porque nascera sob a luz da fé a que meus pais votavam agora ardente devoção. Deram-me no batismo o nome de Filomena, isto é, amiga da Luz que me iluminou a alma pela graça desse Sacramento.
A Divina Providência permitiu que o epitáfio do meu sarcófago fosse exarado neste verdadeiro sentido, apesar dos intérpretes não terem percebido que esse era o pensamento exato no espírito daqueles que primeiramente o escreveram.
Meus pais dedicavam-me a maior afeição possível, e meu pai não podia conformar-se com a ideia de me ter fora das suas vistas. Por esse motivo, quando eu contava treze anos acompanhei-os a Roma. Esta viagem foi efetuada em consequência da declaração de guerra que injustamente nos foi feita pelo soberbo e poderoso Imperador Romano.
Reconhecendo a sua fraqueza, meu pobre pai partiu para Roma, na esperança de obter a paz com o Imperador. Minha mãe e eu acompanhámo-lo e estivemos presentes na audiência que o tirano lhe concedeu.
Que extraordinário destino, o que me esperava! Enquanto meu pai calorosamente advogava a sua causa, tentando defender-se, o Imperador, lançando-me furtivos olhares cintilantes, respondeu:
- Não te assustes mais; podes estar absolutamente descansado que não há motivo para ansiedade. Em vez de te atacar, porei as forças do Império ao teu dispor, com a condição de que me darás em casamento a mão da tua encantadora filha Filomena.
Meus pais concordaram plenamente com a proposta e, ao regressarmos à nossa pousada, tentaram convencer-me de que eu, na verdade, me deveria considerar felicíssima como Imperatriz de Roma.
Recusei a proposta sem um momento de hesitação e declarei-lhes que já me tinha tornado Esposa de Jesus Cristo, por voto de castidade, quando tinha onze anos.
Meu pai, então, por todos os meios diligenciou provar-me que uma criança da minha idade não podia dispor de si própria como lhe aprouvesse e invocou toda a sua autoridade para me obrigar a obedecer. Mas o meu Divino Esposo deu-me a necessária coragem para permanecer firme na minha resolução.
Quando o Imperador foi informado da minha resposta, considerou-a mero pretexto para lhe sermos desleais. E disse a meu pai:
- Tragam-me aqui a Princesa Filomena e eu verei se posso convencê-la ou não.
Meu pai foi-me buscar, mas vendo que a minha resolução era inabalável, ele e minha mãe, ambos se lançaram aos meus pés suplicando-me que mudasse de propósito.
- Filha! – Exclamavam eles – tem dó de teus pais, tem piedade do nosso reino!
Eu respondi que os meus pais e o meu reino eram o céu. Deus e a minha Virgindade estavam, para mim, acima de tudo o mais.
No entanto, não pudemos deixar de obedecer ao Imperador, apresentando-nos no palácio.
Ele, primeiro, usou de toda a espécie de promessas e de lisonjas para me induzir a aceitar o casamento; mas tudo foi em vão. Depois, recorreu a ameaças, mas sem melhor resultado.
Por fim, num acesso de desespero, impelido pelo demónio da luxúria, ordenou que eu fosse atirada para um cárcere, nos subterrâneos do palácio imperial.
Aí, amarraram-me os pés e as mãos e carregaram-me de cadeias, na esperança de assim me constrangerem a casar com aquele homem em cuja alma só imperava o espírito das trevas.
Todos os dias ele vinha renovar os seus galanteios. Aliviavam-me de ferros, de modo que eu podia tomar um pouco de pão e água; mas o Imperador, ao ver que os seus esforços eram inúteis, mandava que se me repetissem as torturas. Durante todo esse tempo o meu Divino Esposo me amparou. Constantemente eu me encomendava a Jesus e à sua Mãe Bendita.
Passavam-se estas cenas havia trinta e sete dias quando a Rainha do Céu me apareceu, aureolada por uma luz deslumbrante e sustendo nos braços o seu Divino Filho.
- «Minha filha – disse-me Ela – continuarás ainda mais três neste cárcere, e depois, ao quadragésimo dia do teu cativeiro, abandonarás este lugar de tormento».
Ao ouvir estas palavras animadoras, o meu coração pulsou de alegria. Mas a Bendita Mãe de Deus continuou:
- «Quando o abandonares sofrerás ainda cruéis torturas por amor de Meu Filho».
Esta nova revelação deixou-me apavorada, e cheguei a experimentar a sensação de que já me assaltavam as terríveis agonias de morte.
- Coragem, querida filha! – acrescentou a Rainha do Céu – querida acima de todas porque tens o meu nome e o nome do Meu Filho. Tu chamas-te Lumena ou Luz. Meu Filho, teu Esposo, chama-se Luz, Estrela, Sol. E eu, também, não me chamo igualmente, Aurora, Estrela, Lua, Sol? Eu serei o teu amparo. Agora é o período transitório da fraqueza e da humilhação humanas; porém, quando chegar a hora do julgamento, então receberás a graça da divina força. Além do teu Anjo da Guarda, terás a teu lado o Arcanjo Gabriel, cujo nome significa «a força do Senhor». Quando eu estava na Terra, era ele o meu protetor: eu agora o mandarei àquela que é a minha mais querida filha».
Estas palavras tranquilizadoras reanimaram a minha coragem e a visão desapareceu, deixando na masmorra um perfume celeste.
O Imperador, perdendo a esperança de me fazer ceder aos seus desejos, recorreu às maiores torturas, com o fim de me aterrorizar e assim conseguir que eu quebrasse o meu voto feito a Deus.
Ordenou que eu fosse amarrada a uma coluna e cruelmente açoitada, acompanhando-se ainda o bárbaro suplício de horríveis blasfémias.
Dizia o tirano: - «Visto que é tão persistente em preferir um malfeitor, condenado à morte pelos seus próprios compatriotas, a um imperador como eu, sofra ela o castigo merecido».
Vendo que, apesar de eu estar toda numa chaga, a minha resolução continuava inalterável, mandou que tornassem a levar-me para a prisão, onde deveria agonizar e morrer.
Estava eu lançando o meu pensamento para além da morte, esperando descansar no seio do meu Esposo, quando me apareceram dois anjos resplandecentes e derramaram um bálsamo celestial sobre as minhas feridas. Estava curada.
Na manhã seguinte o Imperador ficou assombrado ao saber a notícia. Vendo-me ainda mais forte e mais bela que nunca, esforçou-se por me convencer de que eu recebera aquele benefício de Júpiter, que para mim destinava a coroa imperial.
O Espírito Santo inspirou-me e refutei aquele sofisma, ao mesmo tempo que resisti às blandícias do Imperador.
Louco de raiva, deu ordem para que me prendessem ao pescoço uma âncora de ferro e me lançassem ao Tibre. Mas Jesus, para mostrar o seu poder e confundir os falsos deuses, mais uma vez mandou em meu auxilio os seus dois anjos que cortaram a corda e a âncora caiu no fundo do rio, onde ficou encravada no lodo.
Trouxeram-me então para a margem, sem que uma gota de água tivesse tocado nas minhas roupas.
Este milagre converteu um grande número dos que o presenciaram. Diocleciano, mais obstinadamente cego que o Faraó, declarou então que eu devia ser feiticeira e ordenou que me trespassassem de setas. Mortalmente ferida, quase morta, uma vez mais fui atirada para a prisão. Em vez da morte, que muito naturalmente devia ter vindo, o Altíssimo fez-me dormir um sono reparador, depois do qual acordei ainda mais bela do que era
Ao ter notícia deste novo milagre, o Imperador ficou de tal maneira enfurecido, que ordenou a repetição da tortura até que a morte sobreviesse enfim; mas as setas recusaram-se a partir dos arcos.
Diocleciano insistia em que semelhante facto era determinado por um poder mágico e, na esperança de que esse encantamento se aniquilasse diante do fogo, deu ordem para que as setas fossem aquecidas numa fornalha até ficaram rubras.
Mas esta expediente foi de nulo efeito. O meu Divino Esposo livrou-me desse tormento voltando as setas contra os besteiros, seis dos quais foram mortos.
Este último milagre deu lugar a outras conversões e o povo começou a manifestar grave descontentamento e a mostrar reverência pela nossa bendita fé.
Receando mais sérias consequências, o tirano ordenou então que eu fosse decapitada.
A minha alma gloriosa e triunfante ascendeu ao Céu onde recebi a coroa da virgindade que mereci por tão grande número de vitórias. Foi às três horas da tarde de 10 de agosto numa sexta-feira.
Eis aqui as razões por que Nosso Senhor quis que o meu corpo fosse reconduzido para Mugnano em 10 de agosto e por que Ele operou tantos milagres nessa ocasião».
Estas revelações foram editadas num livro que mereceu a autorização de imprimatur (pode imprimir-se) por parte do Santo Ofício (atual Congregação para a Doutrina da Fé) em 21 de dezembro desse mesmo ano de 1833.