Santa Filomena

ESTÁ VIVA E É SANTA

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1. Contextualização da descoberta

As invasões dos bárbaros no Império Romano protagonizadas pelos povos germânicos, designadamente os hunos, os vândalos, os visigodos, os ostrogodos, os francos, os lombardos e os anglo-saxões, que habitavam a região a leste das fronteiras do Império, intensificaram-se a partir do século IV. Algumas vezes conseguiram alcançar a cidade de Roma, saqueando a cidade e procurando destruí-la. A população de Roma e de outras cidades busca proteção nas zonas rurais, desintegrando a conformação urbana que havia no Império Romano. Os cristãos tudo faziam para evitar o saque “aos seus tesouros” - as relíquias dos mártires - embora estas estivessem naturalmente defendidas pela estrutura das catacumbas. Ainda assim muitas catacumbas foram pilhadas, bem como os seus sepulcros.

Praxedes e Pudenciana, filhas do senador Prudêncio, um dos primeiros dignitários do Império a defender os cristãos, terão salvo muitos cristãos no século I e, além disso, enterraram os restos mortais de muitos outros. Sobre esse pequeno cemitério foi construída uma igreja dedicada a Santa Praxedes, que, no século VIII, foi reconstruída em forma de basílica. O Papa Pascoal I (817-824), no início do seculo IX, mandou-a revestir com belíssimos mosaicos bizantinos e para lá foram trasladadas, só das catacumbas de Priscila, de todas as mais bem preservadas, relíquias de 2.300 mártires. Foi também o Papa Pascoal que teve uma aparição Santa Cecília para lhe revelar o local onde estava o seu túmulo. Seguindo essas indicações, foi encontrado nas Catacumbas de São Calisto, o caixão de cipreste que guardava as relíquias de Santa Cecília. O corpo, encontrado intacto e na mesma posição em que tinha sido enterrado, foi depositado no altar-mor da igreja de Santa Cecília, na Trastevere, originária do século III e mandada construir pelo Papa Urbano I.

Com o reconhecimento do cristianismo pelo Império Romano, os sepultamentos deixaram, progressivamente, de ser nas catacumbas, passando os cristãos a ser enterrados em cemitérios de igrejas. No século VI, as catacumbas eram utilizadas apenas para os memoriais dos mártires. No século X, estavam praticamente abandonadas, tendo sido as relíquias mais preciosas transferidas para as igrejas de Roma. Pioneiro desta prática foi, como referimos já, o Papa Pascoal I.

Nos séculos seguintes, as catacumbas permaneceram esquecidas até serem redescobertas em 1578, procedendo-se, desde então a vastas escavações. O arqueólogo Giovanni Battista de Rossi (1822–1894) publicou o primeiro estudo sobre as catacumbas. Entre 1956 e 1959, as autoridades italianas encontraram mais catacumbas perto de Roma. Atualmente, a sua manutenção está ao encargo da Santa Sé, através da Pontifícia Comissão de Arqueologia Sagrada, que dirige escavações e restaurações, e da Pontifícia Academia de Arqueologia que procede e tutela as numerosas investigações em curso.

2. Descoberta do túmulo de Filomena

A 24 de maio de 1802, numa dessas escavações, um dos operários esbarrou ocasionalmente numas lápides de terracota que tapavam a entrada de um túmulo. O achado foi comunicado a Monsenhor Ponzetti, então o Guardião das Santas Relíquias. No dia seguinte, 25 de maio de 1802, ele próprio e o padre Filipo Ludovici, desceram às catacumbas para assistir à abertura total da sepultura, encontrando-se nela o corpo de uma menina de 13 ou 14 anos, junto ao qual estava uma ampola oval com o líquido escuro já seco, tido como sendo sangue da mártir. A sepultura estava selada por três lápides com a seguinte inscrição: LUMENA (primeira lápide) PAXTE (segunda lápide) CUMFI (terceira lápide). A sepultura foi inventariada por Monsenhor Ponzetti, como sendo de FILOMENA, uma interpretação do epitáfio de acordo com o antigo costume de se começar as inscrições pela segunda placa – argumento a que o arqueólogo Jesuíta Padre Giuseppe Bonavenia, em 1907, também recorre - e também pela lógica do contexto etimológico. O epitáfio inteiro lê-se, segundo a interpretação de Ponzetti - PAX TECUM FILUMENA – Filomena, a paz esteja contigo. Assim, o nome de Filomena foi oficialmente atribuído pela Igreja à pessoa cujos restos mortais estavam no sepulcro examinado em 25 de maio de 1802.

3. De Roma para Mugnano del Cardinal

O Padre Francesco De Lucia, sacerdote da diocese de Nola, por mediação de Dom Bartolomeo De Cesare, bispo-eleito de Potenza, obteve de Mons. Giacinto Ponzetti, as relíquias encontradas nas catacumbas de Priscila como sendo de Filomena, Virgem e Mártir.

De Lucia queria ter, no seu oratório, para devoção particular, as relíquias de um santo mártir. As sagradas relíquias foram transportadas, primeiro para Nápoles e depois para Mugnano del Cardinale, mas não foram para o oratório de Dom Francesco; foram antes colocadas num relicário em forma de urna exposto numa das capelas laterais do lado esquerdo – a do centro – da Igreja de Santa Maria delle Grazie, paroquial de Mugnano. No «Relato histórico da trasladação do corpo sagrado de Santa Filomena de Roma para Mugnano del Cardinale», o Padre Francesco De Lucia dá conta dos milagres ocorridos durante a viagem que demorou alguns dias.

A 10 de Agosto de 1805, os restos mortais de Santa Filomena chegaram ao sul de Itália, Mugnano del Cardinale, Igreja de Nossa Senhora das Graças, Diocese de Nola. Tinha chegado a hora de a “Princesa” – como carinhosamente os devotos tratam Santa Filomena, após 15 séculos de silêncio, se mostrar ao Mundo.

4. A vida de Santa Filomena

Aquilo que podemos dizer de Santa Filomena, historicamente comprovado, não é muito, mas é o suficiente: a 25 de maio de 1802, foi achado nas catacumbas de Priscila, em Roma, o túmulo de uma menina de 13 ou 14 anos que, no século III ou IV (a marca do tempo é a ânfora contendo o sangue, comprovadamente do século III), que morreu mártir pela fé.

Contudo, como acontece com a generalidade dos mártires, e de muitos outros santos, estes dados da história, vão sendo “encorpados” com pequenas estórias mais ou menos fundamentadas. Que saberíamos nós de Nossa Senhora se nos ativéssemos apenas aos Evangelhos? Neste dia em que revejo o relato da vida de Santa Filomena que ela própria terá revelado à irmã Maria Luísa de Jesus, tive de preparar a homilia da festa de Santa Cecília, uma virgem e mártir bem credenciada, que entrou no canon romano. A sua “história”, tal como é narrada na “Paixão de Santa Cecília”, escrita no século V, isto é, mais de 2 séculos após a sua morte, é bem mais romanceada... Mais, a descoberta do túmulo de Santa Cecília deve-se a uma aparição da santa ao Papa Pascoal I, no princípio do seculo IX. Beliscam estes factos a devoção a Santa Cecília? Porém, desde que Orazio Marucchi escreveu umas fantasias pondo em causa a própria existência de Santa Filomena, tudo o que diz respeito à nossa grande taumaturga é posto em causa e escrutinado.

Temos de admitir, é verdade, que Santa Filomena está envolta num grande mistério. Talvez, entre os santos que veneramos – não contando Nossa Senhora, a Santíssima Virgem – Santa Filomena se apresenta como um fenómeno verdadeiramente extraordinário. Não deixemos que os filhos das trevas levem a melhor. Não levarão, ainda que os seus devotos sucumbissem às insídias do diabo e desistissem, ela permaneceria firme, impondo-se à nossa pouca fé.

Santa Filomena terá revelado aspetos da sua vida, de forma extraordinária, a três dos seus devotos e, entre os três relatos, embora vivendo eles em lugares distintos, não há contradições. A mais completa dessas narrações é a da Irmã Maria Luísa de Jesus, uma mística que vivia no Retiro Olivella, em Nápoles, estimada e considerada por muitos padres napolitanos. Foi a 3 de agosto de 1833, quando rezava diante de uma imagem de Santa Filomena, que a Santa lhe terá aparecido e contado a história do seu martírio. O seu confessor mandou-lhe que escrevesse o que lhe foi revelado.

A Pia Revelação da Irmã Maria Luisa de Jesus foi aprovada pela Suprema e Sacra Congregação do Santo Ofício, a atual Congregação para a Doutrina da Fé, em 21 de dezembro de 1833, porque nada na narração é contrário à fé católica.

A Santa nasceu em 10 de janeiro. Começa por referir o drama de seus pais – o pai era rei de um reino da Grécia – que além de serem pagãos, não conseguiam ter filhos. Providencialmente, o médico do palácio, de nome Públio, era cristão. Sendo médico, curou-os também da sua cegueira espiritual pelo anúncio do verdadeiro Deus. Batizados, Deus curou-os também da sua esterilidade, alegrando-os com o nascimento de uma menina, a quem puseram o nome de Filomena, isto é, Filha da Luz que, aos 11 anos, se consagrou a Cristo por voto de virgindade perpétua.

Contava 13 anos quando seu pai foi injustamente ameaçado pelo Imperador Diocleciano, e decidiu deslocar-se a Roma numa tentativa de fazer a paz. Acompanharam-no na viagem a esposa e a filha. Na audiência concedida pelo Imperador, este ficou fascinado pela beleza da princesinha. Todos os problemas políticos e económicos seriam resolvidos se Filomena lhe fosse dada em casamento. Seus pais sentiram-se aliviados e de imediato concordaram com a interessante proposta imperial.

De regresso, já no reino de seu pai, Filomena tudo fez para convencer seus pais a desfazerem o compromisso feito com Diocleciano, pois o seu coração já pertencia a outro Senhor, o único Soberano, o Rei dos Reis, Nosso Senhor Jesus Cristo. Seus pais ficaram arrasados. Então, seu pai, com doçura, procurou convencê-la que o seu voto, feito aos 11 anos, não tinha nenhum valor, porque nessa idade não podia dispor de si. Era um voto nulo. Enquanto seu pai se esforçava por dissuadi-la, sua mãe chorava. Mas que fazer? Seu coração ansiava por encontrar-se com seu Celeste Esposo. A sua recusa era também por amor aos pais, pois queria recebê-los, um dia, no Céu.

O Imperador considerou a recusa da jovem princesa como um ato de deslealdade ao Império e ordenou que a trouxessem à sua presença. Seus pais, antes de levá-la, prostraram-se a seus pés e suplicaram-lhe que se apiedasse deles e do seu reino. Respondeu-lhes que o único reino pelo qual deveriam lutar era o Reino dos Céus, e que lá os esperaria. Foi este o primeiro combate do martírio de Filomena, e já se adivinhava o combate seguinte…

Filomena foi açoitada, mas dois anjos a curaram. Em seguida, foi amarrada a uma âncora e lançada ao rio Tibre, mas foi resgatada novamente. Ela foi então atingida por flechas, mas os dardos foram desviados mesmo depois de estarem em brasa. Acabou por ser decapitada a 10 de agosto. Seria impossível a uma frágil menina de 13 anos, que vivera sempre rodeada do máximo conforto no Palácio de seus pais, resistir a tantas torturas, não fora a proteção especial que lhe dispensaram seu Divino Esposo e a Virgem Santíssima, que visivelmente a animaram com frequentes aparições.

Decorridos 37 dias de torturas e ameaças, a Rainha do Céu apareceu-lhe aureolada por uma deslumbrante luz, trazendo desta vez, ao colo, o Deus-Menino. Avisando-a de que os seus sofrimentos se iriam agravar, a Celeste Rainha encorajou Filomena com as seguintes palavras: “Minha filha, tu me és mais querida acima de todas, porque trazes o meu nome e o do meu Filho: Tu chamas-te Lumena. Meu Filho, teu Esposo, chama-se Luz, Estrela, Sol. E eu me chamo Aurora, Estrela, Luz, Sol. Serei o teu amparo. Agora é o momento transitório da fraqueza e da humilhação humanas; quando chegar, porém, a hora extrema do teu julgamento, da tua decisão ante os horríveis tormentos que te serão impostos, receberás a graça da divina força. Além do teu Anjo da Guarda, terás a teu lado o Arcanjo São Gabriel, cujo nome significa a Força do Senhor. Quando eu estava na terra era ele o meu protetor. Mandá-lo-ei agora aquela que é a minha mais querida filha”.

Ao enlevo em que ficara pela presença da Mãe de Deus, juntou-se depois um celeste perfume com o qual a Excelsa Senhora a inebriara e que permaneceu no cárcere enquanto lá esteve prisioneira.

Não faltam comentários pouco abonatórios ao conteúdo das revelações da Irmã Maria Luísa de Jesus que, naturalmente, não atingem a aprovação destas pelo Santo Ofício, cujo pronunciamento se limita, como já referi, à verificação da inexistência de erros doutrinais na história revelada à religiosa napolitana. Ainda recentemente, em agosto de 2018, Ramon Rabre publicou em Religión en Libertad o elenco das recorrentes contradições da narrativa da Irmã Maria Luísa de Jesus. A saber:

- No tempo de Diocleciano não existia qualquer monarca grego. Por outro lado, sendo a menina grega, o seu nome seria grego e não latino… e que significa Filomena em grego? "Filo", amor; "menas", canto, ou seja, “que ama o canto”. Filomena é o nome arcaico do rouxinol, na tem a ver com luz.

- Diocleciano, naquela altura, já velho, não vivia em Roma, mas em Ravena, e era casado com a Imperatriz Prisca, que deixou viúva. Pô-lo a descer a uma prisão romana – as prisões eram verdadeiras cloacas – supera toda a fantasia.

- As referências à vida sacramental de Filomena – terá sido batizada bebé e feito a sua primeira comunhão aos 5 anos – contraria o itinerário sacramental dos primeiros séculos. E que dizer da aparição da Virgem Maria e da devoção aos anjos da guarda? Na opinião dos mais críticos, são elementos mais próprios de uma qualquer novela romântica do século XIX, do que das Atas dos mártires.

- Filomena nunca seria lançada ao Tibre, que as autoridades romanas nunca contaminariam com um cadáver. Quando muito poderia ter sido lançada ao mar, que tinha, na mitologia pagã, uma componente purificadora: as águas salgadas purificavam os blasfemos e os pecadores. Menos ainda lançada às águas do Tibre atada a uma âncora, um objeto demasiado caro. Os que eram lançados ao mar, iam atados a pedras, para que se afogassem.

- É certo que na lápide tumular, aparece gravada uma âncora. Porém não tem uma coisa a ver com a outra… a âncora é um elemento da iconografia cristã e aparece com frequência nas catacumbas. Ainda hoje simboliza a esperança nas promessas salvíficas de Cristo que nos suporta nas provações, tal como a âncora, espetada no fundo das águas, permite que a embarcação resista às correntes fortes.

- Depois do prodígio dos anjos que a resgatam das águas e a desamarram da âncora, vem a saraivada de setas, as que retrocedem e matam os carrascos, e os carrascos que se convertem, juntamente muitos daqueles que assistem. Filomena acaba decapitada. No fim da revelação de Filomena, uma nova incongruência: a coincidência da data do martírio com a da trasladação das relíquias, como se os calendários, naqueles quinze séculos de intervalo, não tivessem mudado várias vezes…

É absurdo este esforço de encontrar contradições nesta história narrada pela Irmã Maria Luísa de Jesus, fruto da presença de Santa Filomena na sua vida e, também, das circunstâncias da sua vida: a sua piedade, a sua cultura, a sua sensibilidade. Ao pedido do Padre Francesco de Lucia – que a não conhecia, ao contrário da generalidade do clero de Nápoles – para juntar episódios da vida de Santa Filomena, ela não respondeu com uma investigação histórica, com factos documentados. Nem se prendia isso, e ela, certamente, não o saberia fazer. Mulher piedosa, conhecia dezenas de histórias sobre a vida de santos de várias épocas que, como a que ela escreveu sobre Santa Filomena, não são trabalhos científicos, mas histórias de amor, nascidas da devoção que lhes presta o povo cristão. Fantasias? Sim, fantasias que ligam verdades reveladas pelo Espírito Santo ou próprio santo. Não fazemos nós este esforço quando rezamos um texto da Bíblia: distinguir entre o que são as verdades reveladas e aquilo que resulta da cultura, da maneira de ser, da imaginação do autor material desse texto?

Tenho para mim que os restos mortais encontrados naquele sepulcro das catacumbas de Priscila são o resta de um corpo de uma menina de 13 anos que foi animado por uma alma de eleição. No Céu, é instrumento de Deus para conceder graças sobre graças aos que recorrem à sua intercessão. O povo cristão começou a chamar-lhe Filomena e a Igreja aceitou que assim fosse.

Terá nascido nos finais do século II, numa das periferias do Império Romano, filha única de uma família abastada. Teve a graça de, ainda criança, conhecer Jesus Cristo e de viver numa comunhão de vida com Ele que começou num ato de amor perfeito – tão perfeito quanto uma criança é capaz – ao qual o Senhor, que tudo pode, respondeu iluminando a sua alma e concedendo-lhe as graças que precisava para ser fiel até ao martírio.

Primeiro, um martírio de amor quando, por amor a Jesus, teve de renunciar ao amor pelos seus pais que não compreendiam as razões da sua fé e pretendiam que ela tivesse comportamentos incompatíveis com a pertença a Jesus Cristo.

Também o mundo, à medida que ia deixando de ser criança, a fustigava, querendo impor-lhe as regras da mundanidade, nomeadamente a adoração aos ídolos. Primeiro, através da sedução, depois pela força brutal. Foi consolada por Maria, a Mãe de Jesus, pelo seu anjo da Guarda e pelo Arcanjo Gabriel, instrumentos poderosos de Cristo na sua vida, graças aos quais se manteve fiel ao Seu Senhor. Acabou sendo decapitada, não que sem antes, no meio das mais cruéis humilhações, desse heroico testemunho da sua fé. Foram muitos aqueles que, interpelados por tanta determinação e valentia, iniciaram um caminho de conversão a Cristo. Filomena conquistou-os para Cristo. Continua a ser essa a sua missão: conquistar-nos para Cristo!

De uma forma muito simples, mas bela, diria mesmo, muito “naïf”, a Irmã Maria Luísa de Jesus nos dá testemunho da grandeza e da santidade de Filomena.

5. “A questão filomeniana”

A questão filomeniana surgiu em 1902, com a celebração do primeiro centenário da descoberta do túmulo de Santa Filomena. O arqueólogo Orazio Marucchi, a partir da fotografia das lápides, defendeu a "teoria da reutilização das lápides do túmulo de Santa Filomena”, num estudo publicado em 1904. Segundo Marucchi, as lápides encontradas nas catacumbas de Priscila selando um túmulo, foram reaproveitados no século IV. Logo, ainda que na inscrição possam referir o nome de Filomena, o corpo encontrado não é o dela. Vai mais longe, defendendo que ânfora encontrada na cavidade do túmulo não teria contido sangue, mas perfume.No seu ímpeto negacionista defende que nem mesmo as placas e o sangue juntos são prova de que os restos que jaziam naquele túmulo eram de uma mártir. Sendo assim, a única prova disponível sobre a vida de Santa Filomena eram as revelações da Irmã Maria Luisa de Jesus, fantásticos por natureza, sem caráter histórico, nem científico.

Estas conclusões foram contestadas por Giuseppe Bonavenia, Jesuíta, Professor na Gregoriana, e pelo arqueólogo J. B. Rossi, especialista em paleoarqueologia, que observaram, não as fotografias das lápides, como Orazio Maruchi, mas, as próprias lápides encontradas nas Catacumbas de Priscila, que se encontram no Santuário da Santa Filomena de Mugnano, bem como as relíquias de Santa Filomena. A partir desta investigação, no livro "Controversia sul celeberrimo epitaffio di Santa Filomena, V. e M." publicado em 1906, refuta-se que as lápides tenham sido reaproveitadas e deixa-se claro que a ânfora continha sangue.

O Padre Bonavenia S.J., considera que quem pintou a inscrição, para manter o tamanho das letras, teve de as distribuir pelas três lápides: na do meio, lê-se PAXTE; prossegue na terceira lápide, CUMFI; terminando o nome na primeira – LUMENA. Ou seja, para Bonavenia a inscrição tem um sentido completo e claro, e as lápides – do terceiro século, como afirmam unanimemente os arqueólogos – foram corretamente colocadas. De acordo com a nossa lógica, pode-se discordar da lógica de quem as escreveu e com elas selou o túmulo. Porém, temos de raciocinar, não de acordo com a nossa lógica, mas segundo a mentalidade daquela época.

Com esta controvérsia no auge, o Frei Louis Petit, diretor da “Obra de Santa Filomena”, em França, foi recebido em audiência pelo Papa São Pio X, em 6 de junho de 1907. O Papa, muito bem informado, dissertou longamente sobre o assunto. Posteriormente, no relato que fez da audiência papal, o sacerdote reproduziu aquilo que ouviu da boca do Papa. São comentários orais, é certo, mas não deixam, por isso, de ter enorme importância, tanto mais que nunca foram negados ou corrigidos. Ou melhor, o Papa São Pio X confirmou-os no ano seguinte na Carta Apostólica «Pias Fidelium Societatas». Sintetizemos as informações prestadas pelo Frei Louis Petit:

- O Papa manifestou a sua tristeza pelo que se estava a passar, estranhando que se ignore o grande argumento a favor da devoção a Santa Filomena: o São Cura de Ars. Através dela, em seu nome, por sua intercessão, ele obteve inúmeras graças, prodígios contínuos. A sua devoção para com ela era sobejamente conhecida e ele recomendava-a continuamente…

- O Papa relativizou depois a questão do nome. É certo que consideramos que o nome Filomena está inscrito no túmulo… Se é o próprio nome de Santa Filomena, ou se ela tinha outro nome, que importa? Continua a ser verdade que a alma que deu vida àquelas sagradas relíquias era uma alma tão pura e santa que a Igreja acredita tratar-se de uma santa virgem e mártir. Essa alma foi tão amada por Deus e tão dócil ao Espírito Santo, que tem obtido graças maravilhosas aos que recorrem à sua intercessão.

- Também a inscrição de uma folha de palma e a existência de uma ânfora que terá contido sangue, na cavidade do sepulcro, estão historicamente documentados, sendo que uma e outra coisa – a ânfora de sangue e a representação de uma folha de palma – são atributos de um mártir, como declarou o Papa Clemente IX num decreto de 10 de abril de 1668.

- Consequentemente, as objeções arqueológicas devem subordinar-se aos factos teológicos e históricos.

6. A Instrução da Sagrada Congregação dos Ritos

Parecendo ignorar as feridas abertas no seio da Igreja pela questão filomeniana e contra a corrente das declarações de vários Papas e da veneração pública universal, popular e litúrgica a Santa Filomena, a Sagrada Congregação dos Ritos, organismo da Santa Sé que hoje se designa Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, numa pequena nota à margem da Instrução publicada em 14 de fevereiro de 1961, determinou: Festum autem S. Philumenae V. et M. quolibet calendars expungatur, ou seja, "O dia da festa de Santa Filomena deve ser eliminado de qualquer calendário". Embora a intenção fosse clarificar o conteúdo da Instrução no que se referia a Santa Filomena, a verdade é que a apostilha que citámos produziu, tanto na Hierarquia como na alma dos fiéis, reações apaixonadas. Desde aqueles que encontraram um pretexto para destruir a devoção a Santa Filomena, acreditando que, se alguma coisa restasse, acabaria por se extinguir com o decorrer do tempo, aos que se insurgiram conta os responsáveis da Sagrada Congregação e interpretaram de forma tão elástica aquela nota que, na prática, continuaram a fazer tudo como dantes.

Mais prudente foi Mons. Luigi Esposito, reitor do Santuário de Santa Filomena: com a aprovação do Bispo de Nola, Mons. Adolfo Binni, pediu formalmente à Sagrada Congregação dos Ritos que, por escrito, apresentasse a interpretação autêntica da orientação dada para o culto a Santa Filomena. A resposta veio, sucinta, mas suficientemente clara: “Foi removido o culto litúrgico, permanece inalterado o culto popular. A Santa pode ser venerada e pode igualmente ser honrada com festa externa e na missa do comum das Virgens Mártires.”

Seria absurdo que a Sagrada Congregação quisesse pôr em causa o magistério papal sobre Santa Filomena ou, de algum modo, colocar-se ao lado daqueles que, escudados pelas falsas investigações arqueológicas de Orazio Maruchi, se tornaram detratores, sabe-se lá com que intuito, de Santa Filomena. Aquilo que a Instrução pretende é reforçar o carácter “católico” do Calendário Litúrgico da Igreja, expurgando-o de alguns dos santos que, embora muito venerados neste ou naquele país, nesta ou naquela região, não têm a mesma veneração no conjunto da Igreja. Neste sentido, ter incluído Santa Filomena entre os santos que não são igualmente venerados por toda a Igreja, acabou, através das reações à Instrução, por revelar que a devoção a Santa Filomena é bem mais universal do que alguns imaginavam… Por outro lado, também é verdade que a profusão de missas próprias, de ofícios próprios e outras particularidades, que se podem tolerar nas devoções particulares ou até populares a Santa Filomena, eram estranhas no seu culto litúrgico.

Trata-se, pois, de uma orientação litúrgica e não de uma declaração do Magistério afirmando que Santa Filomena não é santa; nem se proíbe a devoção popular a Santa Filomena; também não vem acompanhada de qualquer suspensão ou proibição da atividade da Universal Arquiconfraria de Santa Filomena, aprovada pelo Papa São Pio X, nem dos centros devocionais espalhados por todo o mundo. A devoção pública a Santa Filomena deve continuar, e tem a aprovação da Santa Sé e do Ordinário da Diocese de Nola, onde se situa o Santuário de Mugnano, sede da Arquiconfraria.

Toda esta ação pastoral – apostólica e cultual – se fundamenta em reiteradas aprovações papais. Preciosa é a lacónica indicação do Papa São Paulo VI, posterior à Instrução de 1961: “Continuar como antes”. Num encontro com o Papa São Paulo VI, o bispo da diocese de Nola – o ”bispo de Santa Filomena”, ter-lhe-á perguntado: “Santidade, que devo dizer ao povo da minha Diocese tão perturbado com a Instrução da Sagrada Congregação sobre Santa Filomena”? Paulo VI, respondeu: “Não deixes que ela te perturbe, nem perturbe o teu povo; deixa que a devoção a Santa Filomena continue como antes”.

Em Mysore, na Índia, são dedicadas a Santa Filomena, a Catedral, um orfanato, uma escola superior e uma universidade. A festa de Santa Filomena, a 10 de agosto, atrai todos os anos à catedral cerca de 40 mil fiéis, o que é notável num país onde os cristãos, além de estarem em minoria, são perseguidos. Talvez por isso, como represália conta os cristãos, a preciosa relíquia de Santa Filomena, ao culto na catedral foi roubada. Na ocasião, Mons. M. Fernandes, bispo de Mysore, escreveu ao então bispo de Nola, Mons. Adolfo Binni, pedindo delicadamente que fosse oferecida à Diocese de Mysore uma nova relíquia de Santa Filomena. A carta é um documento precioso, já que trás a público a orientação dada pelo Papa São Paulo VI, importantíssima para a interpretação da Instrução da Sagrada Congregação dos Ritos, de fevereiro de 1961. Transcrevo a carta, que se encontra nos Arquivos do Santuário de Mugnano, numa tradução livre:

“Excelência,

Durante o Concílio Vaticano II, em 1964, encontrámo-nos e perguntei lhe sobre a devoção a Santa Filomena, em Mugnano. Recordo que me dissestes, com arguto humor, que após a Instrução que removera Santa Filomena do calendário litúrgico, vos encontrastes com Sua Santidade Paulo VI, e lhe havíeis perguntado o que deveríeis dizer ao povo da diocese tão perturbado pela referida Instrução. O Santo Padre lhe terá dito para não perturbar o seu povo, e que a devoção a Santa Filomena devia prosseguir como antes. O motivo pelo qual escrevo estas linhas é para pedir um favor: nós tínhamos uma relíquia de Santa Filomena na nossa catedral a ela dedicada. O povo de toda a Índia vem em peregrinação à catedral, na Festa de Santa Filomena, com grande fé. Infelizmente, um descrente roubou a relíquia e não sabemos como recuperá-la. Considerando que Mugnano foi o centro de onde irradiou para todo o mundo a devoção a Santa Filomena, estou certo que haverá lá uma outra relíquia disponível para substituir a que foi roubada. Ficarei muito grato se, através da irmã Orsoline de Bérgamo, me enviar uma relíquia de Santa Filomena. Por este grande favor ficarei-vos-ei sempre grato.
Com gratidão e em união de orações, o vosso irmão em Nosso Senhor

Monsenhor M. Fernandes
Bispo de Mysore

Contudo, a semente da dúvida já estava lançada pela Instrução de14 de fevereiro de 1961, que levou muitas pessoas, sobretudo muitos eclesiásticos, a afirmar que "Filomena nunca existiu, pelo que não pode ser santa".

7. As lápides são objeto de novo estudo

Em 1963, a pedido de Mons. Luigi Esposito, na altura reitor do Santuário de Santa Filomena, o Padre Jesuíta António Ferrua, arqueólogo e Professor da Universidade Gregoriana, estudou as lápides que fechavam o túmulo de Santa Filomena. As suas conclusões constam de um Relatório publicado em 29 de novembro de 1963, que se encontra nos arquivos do Santuário de Mugnano. Nele, o credenciado arqueólogo e Jesuíta, afirma: “Examinei fielmente as três lápides romanas que fecharam o túmulo de Santa Filomena, e cheguei à conclusão que a inscrição foi pintada a pincel antes da sua colocação, o que explica que, ao serem aplicadas, lhes tenham trocado a ordem, talvez porque os que procediam ao sepultamento o faziam à pressa, receosos de serem apanhados em flagrante; ou, quem concluiu o fecho do túmulo, não sabia ler nem escrever”.

Prossegue a argumentação do sábio arqueólogo, que sintetizamos:

- Não é sustentável a tese de que as lápides já tivessem sido utilizadas noutro túmulo e agora, ao reutilizá-las, lhes tenha sido alterada a ordem: Porque, em tal caso, se observaria alguns pedaços da argamassa utilizada para selar o anterior túmulo; Além disso, na passagem do primeiro para o segundo uso, seria notória alguma fissura ou estria nas arestas das lápides, o que não acontece, já que facilmente se observa que estão intactas;

- Se a intenção fosse aproveitar material já usado, teriam aproveitado um material de melhor qualidade – não faltavam, nas catacumbas, lápides de mármore já usadas – e não lápides de terracota; além disso, para prevenir qualquer erro, teriam aplicado a superfície com a inscrição para o interior do túmulo, o que evitava também a aplicação de nova argamassa sobre a velha.

- Finalmente, seria uma enorme coincidência que as três lápides tivessem sido utilizadas anteriormente num mesmo túmulo.

- Em conclusão: a tese do arqueólogo Orazio Marucchi, aceite pelos seus seguidores, é inverosímil, até porque assenta num enorme desconhecimento da forma como na época se faziam os enterros.

8. Os estudos mais recentes

Em 2003, o ainda reitor do Santuário de Santa Filomena, Mons. Giovanni Braschi, submeteu à apreciação de especialistas da Universidade de Milan-Bicocca e do Opificio delle Pietre Dure de Florença, sob a orientação do professor Carlo Lalli, quer a ânfora encontrada com as relíquias de Santa Filomena e o seu conteúdo, bem como as lápides tumulares que fechavam o túmulo. Relativamente à ânfora, a conclusão do Opificio delle Pietre Dure, de Florença, não levanta qualquer dúvida: trata-se de um artefacto de vido, do século III.

Também foram analisados os micro fragmentos de dimensões mínimas existentes na parte superior do frasco. O objetivo da análise era identificar o material acastanhado e um outro, de aspeto esponjoso, acinzentado. A análise permitiu identificar a presença de fosfato de cálcio de natureza orgânica e, em particular, uma estrutura esponjosa de micro fragmentos de osso. A presença de ferro, evidenciada no material acastanhado escuro, é seguramente de natureza orgânica e é verosímil garantir que se trata dos restos de hemoglobina. O rigor da análise permite excluir a existência de qualquer outro tipo de material orgânico.

Ou seja: os estudos científicos, suportados pelas mais modernas técnicas de verificação, permitem-nos admitir com segurança que a ânfora conteve sangue; permite-nos igualmente rejeitar a possibilidade de ter contido perfume, conforme foi defendido por Marucchi e seus seguidores, nos alvores do século XX. Quanto às lápides, o recente estudo confirma as conclusões do arqueólogo Jessuíta Ferrua, que datam de 1963. Perante todas as evidências que a ciência confirma, continuar a defender as pseudo conclusões de Marucchi, é evidente má fé. O relato histórico tendo em conta a investigação feita sob a orientação do Doutor Carlo Lalli, esteve a cargo Professor Jos Janssen, jesuíta.

9. A expansão do culto a Santa Filomena

Desde a descoberta do seu corpo, começou uma extraordinária presença de Santa Filomena na Igreja, a todos os níveis, religiosos e sociais. Em virtude da rápida expansão do culto e da devoção a Santa Filomena, os Papas concederam que fosse prestado Culto Litúrgico com Missa e Ofício próprios.

A Pia Revelação de Santa Filomena à Irmã Maria de Jesus e a fama dos seus milagres começaram a espalhar-se, principalmente na Itália e no sul da França. Muito povo e gente ilustre como os membros da Casa Real dos Bourbons, iam em peregrinação ao túmulo de Santa Filomena, a ponto de a igreja de Nossa Senhora das Graças se tornar um santuário a ela dedicado. A imagem doada em 1806 pelo cardeal Luigi Ruffo Scilla, arcebispo de Nápoles, exalou maná por três dias consecutivos, durante as celebrações de 1823. Em 1827, o Papa Leão XII doou as lápides do túmulo de Santa Filomena ao Santuário de Mugnano. Em 1836, Mugnano foi preservada da epidemia de cólera, prodígio atribuído à Santa. Em 30 de janeiro de 1837, após as curas miraculosas de Paolina Jaricot e Giovanna Pascutti de Veneza, o Papa Gregório XVI concedeu o culto público à Santa e, em 11 de agosto, aprovou o Ofício Divino para os sacerdotes da diocese de Nola e estendeu a todos os sacerdotes a possibilidade de celebrarem, nesse dia, a Missa de uma Virgem e Mártir. O Papa São Pio IX, em 1855, a 11 de janeiro, aprovou a Missa e Ofícios próprios de Santa Filomena. Em 7 de novembro de 1849, durante o seu exílio em Gaeta, Pio IX foi a Mugnano e declarou Santa Filomena "Segunda Padroeira do Reino das Duas Sicílias". A Festa do Padroado de Santa Filomena, que se celebra no primeiro domingo após 10 de janeiro, foi instituída pelo Papa Leão XIII, em 8 de setembro de 1886. O Papa São Pio X, em 11 de Setembro de 1908, no início da “questão filomeniana”, publicou a Carta Apostólica «Pias Fidelium Societatas»; além disso, elevou a Pia Arquiconfraria de Santa Filomena a Arquiconfraria Universal, em 21 de maio de 1912.

Pregadores e missionários espalharam o culto na Europa, Estados Unidos, Canadá, China, Índia, América do Sul e Oceania. Numerosas congregações, arquiconfrarias, movimentos católicos surgiram, em seu nome. Poemas e hinos sagrados foram compostos para divulgar ainda mais o culto. Porém, não se pode referir a divulgação do culto a Santa Filomena sem referir o Santo Cura de Ars e a Venerável Jaricot.

10. O contributo de Pauline Jaricot e de São João Maria Vianney

O Bispo Anselmo Basilici, da Diocese de Nepi e Sutri, em 1986 integrada na Diocese de Civita Castellana, Orte e Gallese, que a partir de 1991 passou a designar-se apenas por Civita Castelhana, situada na região de Lazio, no centro da Itália, em 1833, em virtude das inúmeras graças que vinham sendo relatadas, obtidas por intercessão de Santa Filomena, pediu a abertura formal do processo de canonização esta Virgem e Mártir. Era necessário, contudo, um milagre devidamente documentado e aprovado pela Santa Sé.

O milagre aconteceu e ficou conhecido como o “milagre do século”. A miraculada foi Pauline Jaricot, uma leiga francesa, declarada venerável em 1963. Apesar de muito jovem, estava desenganada dos médicos devido a uma enfermidade cardíaca. Ainda assim, decidiu ir em peregrinação ao túmulo de Santa Filomena. Antes passou por Roma e pediu uma audiência ao Papa Gregório XVI.

Refira-se que Pauline, embora jovem e doente, já era conhecida na Igreja como fundadora da Sociedade de Propagação da Fé que mais tarde o Papa Pio IX elevou a sociedade pontifícia e, portanto, com uma missão universal sob a direção do Santo Padre. Fundou também, em 1826, a Associação do Rosário Vivo porque queria evangelizar através da oração, alcançando todas as classes da sociedade e difundindo o Evangelho através da meditação dos mistérios do rosário. Pauline via os grupos do Rosário Vivo como uma grande família espiritual: “Que bênção estar unido a tão boas almas. Que bela é esta caridade que congrega um grande número de pessoas diferentes, pela sua idade e condição social, numa única família cuja mãe é Maria”, disse ela.

A Venerável, que ficou também conhecida como a “Fundadora”, pediu ao Papa Gregório XVI, na referida audiência, que ponderasse sobre a canonização de Santa Filomena caso ela voltasse curada. O Supremo Pontífice responde que sim, convencido de que Pauline, gravemente doente, precisava de uma consolação espiritual que ele não poderia negar.

Pauline Jaricot chegou a Mugnano após uma viagem extenuante, em pleno verão italiano, na véspera do dia 10 de agosto, festa de Santa Filomena. No dia seguinte, desmaiou após ter comungado… pensou-se que estava morta. Recomposta do desmaio, pediu que a levassem até ao relicário de Santa Filomena, onde foi curada miraculosamente. O reitor do Santuário mandou que os sinos tocassem a anunciar o milagre, enquanto o povo exultava de alegria. Tudo aconteceu a 10 de agosto de 1835. Após passar alguns dias em Mugnano del Cardinale, rezando e agradecendo, voltou a Roma. O Papa Gregório XVI aprovou o culto a Santa Filomena a 13 de janeiro de 1837.

Foi através da Venerável Pauline que São Cura de Ars conheceu o poder de Santa Filomena. Pauline ofereceu-lhe uma preciosa relíquia de Santa Filomena que tinha conseguido do Relicário de Mugnano e o Cura de Ars recebeu-a como uma joia de valor incalculável. Imediatamente começou a trabalhar para erigir uma capela para Santa Filomena onde passaram a ser veneradas aquelas relíquias e, de imediato começaram as curas, conversões e milagres

Ars, uma terriola francesa, tornou-se conhecida através santidade de São João Maria Vianney, o apóstolo mais extraordinário do seculo XIX, proclamado patrono dos párocos. Ele foi, talvez mais que qualquer outro, quem chamou a atenção do mundo para sua santa favorita entre os demais santos: Santa Filomena. Pregava sobre Santa Filomena, pedia-lhe toda a espécie de graças e atribua à sua intercessão inúmeros milagres, muitos deles registados na sua biografia. Exortava os enfermos a rezarem a Santa Filomena, concretamente a coroínha, a ladainha que ele próprio compôs e a novena. Impressionava-se com as curas operadas por intercessão de Santa Filomena, à qual “depois de Deus, estava muito grato”. Milhares de pessoas iam em peregrinação a Ars com o propósito de rezar na capela de Santa Filomena.

São Cura de Ars estabeleceu com Santa Filomena uma amizade humilde e mística, uma familiaridade bonita e profunda. Chamava-lhe a sua intermediária, a sua encarregada de negócios, o seu cônsul com Deus e a sua santinha, título pelo qual hoje é conhecida. Um dia escutaram-no a dizer: “basta, santinha! Estás a fazer muitos milagres e muitas pessoas pensam que se devem às minhas orações!”. Em certa ocasião, alguém lhe perguntou: “É verdade, padre, que Santa Filomena lhe obedece”. São Cura de Ars respondeu: “Porque não? Se o próprio Deus me obedece no Altar”. Referia-se naturalmente às palavras da Consagração pelas quais acontece a transubstanciação.

11. Conclusão

O Papa Leão XIII declarou Santa Filomena como a “Grande Taumaturga” do Século XIX. Os muitos devotos que acorrem à Basílica dos Mártires, em Lisboa, onde está sediada o “Centro 10” da Arquiconfraria Universal de Santa Filomena, reconhecem-na como “a amiga íntima de Deus”, a quem Ele nada nega.

Santa Filomena é uma pessoa, está viva e é Santa e a Taumaturga de ontem e de hoje, porque Deus se serve dos pequeninos e dos humildes para confundir o orgulho dos sábios.

O maior milagre que faz Deus, por intercessão de Santa Filomena, é a contínua difusão do seu culto por todo o mundo católico. Santa Filomena, a mártir da castidade, inabalável na sua fé em Cristo, seu Esposo, está aí para deter o avanço do materialismo e do racionalismo frio dos tempos que correm, alcançando para os seus devotos uma fé forte e coerente. Possa Santa Filomena conduzir-nos ao Amor de Cristo e Maria!


Cónego Armando Duarte
Lisboa, Solenidade da Imaculada Conceição de 2020